Tarde fria de Janeiro.
Sol poente cor-de-rosa.
Complexo da Lisnave,
Cristo- Rei, em frente.
A meus pés Tejo barrento,
Outrora golfinhos a dançar.
Canichos as caudas abanando,
Par de namorados se beijando.
Pergunto-me:
É possível renascer?
É possível renascer da situação actual?
Da situação infernal
Onde grupos,
Ditos "dos Maiores",
Gerem e ditam,
Em nome da Democracia,
Os destinos dum Povo
Com oito séculos de História,
Colados a conceitos e ideias feitas,
Sem originalidade,
Plagiando e sujeitando-se
Às leis duma Economia recessiva,
Teoricamente progressiva,
Mas sem saída em perspectiva!
Não é baseada na honestidade,
Na igualdade de oportunidades,
Na pureza do espírito
E na inteligência!
Mas na selvagem concorrência,
Pouco mais!
Olhe-se ao Mercado,
À Política,
À Ciência.
Tudo é ultrapassar,
"Normalizar o passo".
Ser da C.E.E.,
A qual é
Traço orientador,
Não mais!
O que importa, por exemplo,
É ter abundância de "papers"
No curriculum.
Não importam os "makers"!
O que importa é o nome,
A jactância,
O abanar do penacho,
A quaisquer custos,
Não há lugar para os justos.
Importa é o inglório "tacho"!
É a cara da propaganda,
Na Rádio e Televisão.
É muito bem ser mencionado,
Ou mostrado.
Dá impulso!
E política posição!
E dinheiro!
E, aparentemente, progresso.
É muito bem ser referido
Pelo Ministro Tal, bendito!
Há, até, quem viva
Com esse único fito!
Que importa ser original,
Praticar ideias, tê-las em mente?
O que importa é copiar,
Dissimuladamente.
O que importa, por exemplo, é dizer
Há Biotecnologia,
Onde não há!
Há interação Indústria-Universidade
Onde, raramente, há!
O que interessa, afinal, é iludir!
É possível renascer?
É preciso ser menino,
Outra vez!
E beber o leite dourado
Com o coágulo fermentado
No seio da honradez!
No que digo,
Há melhoria da "raça" implícito,
Mas não é preciso
Matar,
Eliminar,
Destruir sonhos sobre-humanos.
É preciso reconhecer
O que há, em nós, do tal menino.
E amamentá-lo
Com Carinho,
Sem Parcimónia,
Com os Lábios,
Sábios,
Da Consciência
Que nos assaltará,
Mais cedo ou mais tarde,
Quer queiramos ou não,
Em noites tenebrosas
De Insónia
E de Solidão!
(Fernando Fernandes, Janeiro 1993)
