Saia justa, salto alto, casaco com dois lados (num dia era o vermelho, no outro era o preto), ar aparentemente severo, voz bem timbrada (moderada por uma pastilha “Valda”), gesto de mãos em sintonia com a exposição dos assuntos, um perfume inesquecível, e uma didática memorável.
Assim era a nossa professora de ciências geográfico-naturais e de fisico-química no Externato D. Sancho II, Mértola (1956-62). Chamava-se Idalina, era farmacêutica, directora técnica da farmácia Godinho, e tinha estado anteriormente numa farmácia em Alcoutim. Ao que se diz esteve para ser minha tia por afinidade. Idalina rima com Mirtilina!...
O meu interesse pela física e pela química foi estimulado por ela. Ainda guardo, desses tempos, um frasco de água de cal usada para detectar CO2. Na farmácia Melo adquiri tubos de ensaio e alguns reagentes (por exemplo, licor de Fehling para detectar glicose) e uma retorta para a destilação da madeira (quase pegando fogo à casa!). E, para culminar, a tentativa de recarregar pilhas secas com o Zé Eduardo Rodrigues (“Cré”). Um “empreendimento” que resultou em falência total…
A verdade é que durante as minhas aulas de física e química, ao longo dos anos, a didática da professora Idalina vem sempre à minha memória.
domingo, 24 de abril de 2016
sábado, 23 de abril de 2016
O Regresso de D. Sebastião
D. Sebastião voltou
Envolto em nevoeiro
Armado pioneiro
Salvador da Pátria
Em dor
Num fosso
Não é mais o ingénuo moço
Frequentou o estrangeiro
Filiou-se em seitas
É curandeiro de muitas maleitas
É professor
Cientista
Artista
Investigador
Domina as lideranças
A economia
As finanças
E a filosofia
É influente na política
Dos independentes
Confronta ministros e gabinetes
Quase sempre ausente
Na parada dos seus tenentes
Quais paquetes!
É “tu cá, tu lá”
Com Bruxelas
Conhece corredores
Janelas
E gestores
É poliglota
Pratica pelota com proletários
Ténis com turistas
Golf com empresários
Natação com desportistas
E gamão com coristas
Toca piano
Monta a cavalo
Pinta o pano
Com traço abstracto
Escreve poesia
Canta fado em noites de farra
E sublimado com histeria
Perseguido p’las informações
E mui comentado
P’la garra
Com que interpreta variações
Gosta de sexo
Não lhe importa o nexo
Ama por dissimulação
Mão sobre mão
P’ra que vejam a encenação
Do amor
Com compreensão
Amizade
E vivência em comunhão
O tempo não existe p’ra D. Sebastião
Passado, presente e futuro
São p’ra ele uma ilusão
Da percepção
O povo aclamou o seu regresso
A democracia o seu ingresso
Eis senão
Quando um moço imberbe
Leitor insaciável
Observador externo imparcial
Filho dum general de D. Sebastião
Desfechou ao Pai em tom coloquial
Esta questão:
- D.Sebastião move-se a grande velocidade
Tem um cérebro contraído diminuído
Sem igualdade na minha dimensão
O dia dele tem fracções de segundo
O meu tem horas, dias, anos
Uma imensidão!
Atalhou o general:
- Acaba com a fantasia
Da reflexão
Precisas experiência da vida
Vivida!
Então
Aprenderás a magia!
O moço calou-se
Mas fixou-se na sua questão
E murmurou:
- Um dia compreender vão
Ler
Tem um tempo de horas, dias, anos
De prazer
Uma imensidão
Afinal D. Sebastião não existe
É uma ilusão
Da percepção
Recordando um Professor de Matemática
Domínio da matéria, clareza e entusiasmo na transmissão de conhecimentos era o timbre do nosso 1º professor de matemática no Externato D. Sancho II, Mértola (1956-57). Chamava-se Baptista, vinha de Beja e estimulou o meu gosto pelas aplicações da matemática.
Eu tinha então 11 anos de idade, mas jamais esqueci o momento em que ele, andando dum lado para outro com um brilhozinho nos olhos, nos falou sobre Le Verrier, matemático francês. A que propósito?
O planeta Urano foi descoberto em 1781 por Herschel. A teoria da gravidade de Newton era já a “jóia da coroa” no estudo do movimento dos planetas e previsão das suas órbitas em torno do Sol. No entanto, a órbita de Urano calculada pela teoria de Newton, levando em conta apenas 7 planetas, não coincidia com a observada pelos astrónomos. Então, Le Verrier baseado unicamente nos seus cálculos matemáticos sugeriu a existência dum outro planeta. Em 1846, o astrónomo Galle descobriu o oitavo planeta, Neptuno, com uma precisão de +- 1 grau relativamente à previsão de Le Verrier.
Eu tinha então 11 anos de idade, mas jamais esqueci o momento em que ele, andando dum lado para outro com um brilhozinho nos olhos, nos falou sobre Le Verrier, matemático francês. A que propósito?
O planeta Urano foi descoberto em 1781 por Herschel. A teoria da gravidade de Newton era já a “jóia da coroa” no estudo do movimento dos planetas e previsão das suas órbitas em torno do Sol. No entanto, a órbita de Urano calculada pela teoria de Newton, levando em conta apenas 7 planetas, não coincidia com a observada pelos astrónomos. Então, Le Verrier baseado unicamente nos seus cálculos matemáticos sugeriu a existência dum outro planeta. Em 1846, o astrónomo Galle descobriu o oitavo planeta, Neptuno, com uma precisão de +- 1 grau relativamente à previsão de Le Verrier.
Urbain Le Verrier
quinta-feira, 21 de abril de 2016
Solidão
Quando a solidão me
envolve
Na ausência
Das palavras
Da comunicação gestual
Da expressão facial
Das atitudes
O tempo parece-me
infinito
Que a congelação do que
sonhei
Me faça num instante
Naquele instante
De visão sobrenatural
De visão sobrenatural
Ver o que queria fazer
Livremente
Mas que afinal
Não era livre de querer
Não era livre de querer
Saudade
É a sensação
Duma solidão
Indescritível
Inda agora
O momento
Está presente
Mas já o sinto
Ausente
As cores
A luz do Sol
As sombras
Têm tonalidades
Estranhas
O presente
E o passado
Unem-se
Numa saudade
Imensa
Lobo do Mar...
Ao Manuel Rosa Nunes, Mano Velho, Lobo do Mar, Almirante das Barcaças do Mar da Palha (na ocasião da sua aposentação):
Subiste na vida a pulso
O impulso veio de dentro
Do teu Ser
Ajudaste e ensinaste
A saber
Três gerações
P’la nossa a começar
Saudosos anos sessenta
Laboratório de Radioquímica
Bigodinho à Valentino
Moço elegante
Que o minúsculo grama
Que hoje lhe assenta
Não dá p’ra eclipsar
Sofreste injustiça flagrante
Tua resposta foi brilhante
Ir em frente e labutar!
Com o sorriso divino
Dum paladino
“Por detrás dum grã Homem
Há sempre uma grã Mulher”
Diz o povo português
“Cherchez la femme” diz o francês
Ei-la, Custódia
A musa
Alentejana de gema
Que inspirou a tua vida
Como um poema
Eça de Queiroz escreveu
“Lisboa é uma cidade doceira
Como Paris é uma cidade intelectual
Paris cria a ideia e Lisboa o pastel”
É claro que o escritor
Não conheceu o cinzel
Do Manel
Que diga-se entre nós
Não dispensa o bom farnel...
E o que em Almada tá fechado
No tal “segredo”
Com biombo disfarçado
Seja agora espalhado
P’los filhos e p’los netos
Não dá mais p’ra “arrecadari”
Homem!
Daqui a nada
Tens a arca a “arrebentari”
Com um abraço amigo,
Fernando Fernandes 6/10/2008
Subiste na vida a pulso
O impulso veio de dentro
Do teu Ser
Ajudaste e ensinaste
A saber
Três gerações
P’la nossa a começar
Saudosos anos sessenta
Laboratório de Radioquímica
Bigodinho à Valentino
Moço elegante
Que o minúsculo grama
Que hoje lhe assenta
Não dá p’ra eclipsar
Sofreste injustiça flagrante
Tua resposta foi brilhante
Ir em frente e labutar!
Com o sorriso divino
Dum paladino
“Por detrás dum grã Homem
Há sempre uma grã Mulher”
Diz o povo português
“Cherchez la femme” diz o francês
Ei-la, Custódia
A musa
Alentejana de gema
Que inspirou a tua vida
Como um poema
Eça de Queiroz escreveu
“Lisboa é uma cidade doceira
Como Paris é uma cidade intelectual
Paris cria a ideia e Lisboa o pastel”
É claro que o escritor
Não conheceu o cinzel
Do Manel
Que diga-se entre nós
Não dispensa o bom farnel...
E o que em Almada tá fechado
No tal “segredo”
Com biombo disfarçado
Seja agora espalhado
P’los filhos e p’los netos
Não dá mais p’ra “arrecadari”
Homem!
Daqui a nada
Tens a arca a “arrebentari”
Com um abraço amigo,
Fernando Fernandes 6/10/2008
segunda-feira, 18 de abril de 2016
Recordações
Era como se adivinhasse
A solidão
Que se iria seguir
O rapazinho inscrevia
Na parede secular
Com lápis escolar
Datas de reuniões familiares
Que sentia calorosas
Que jamais reviveria
Gravou
Na memória da parede
Frases dos adultos
Sons dos copos a tilintar
O cheiro
O sabor da comida fumegante
Os olhares
O calor quente da família
Contra o frio do inverno
E a cheia do rio
Que rugia lá fora
Muitos anos passados
Numa tarde de festa
Na sala secular
Já adulto
Copo de tinto na mão
Palavra solta
Maré de confidências
Mostrou a um tio querido
As inscrições
Contavam uma dúzia
Eram datas importantes
O tio recordava-as na perfeição
Recordações vivas!
Ao sabor dum golo do tinto
O tio afinou a voz de alto
Abraçou o sobrinho
E espalhou o refrão
Duma alentejana canção
Pela sala dos convivas
O Aprendiz de Feiticeiro
O aprendiz de feiticeiro
É um arquétipo
Que cria raiz
No terreiro das instituições
É um tipo
Originário do País
Ou do estrangeiro
Tem aspirações
Fala de mansinho
Devagarinho
É insinuante
Elegante
Por vezes usa óculos
Redondinhos
Miopes à cientista
É um artista
Na sua ascensão
Nunca diz não
Ao amigo
Que lhe deu a mão
É forreta
Não dá um tostão
P'ro progresso
Da instituição
Sempre presente
No ingresso
De uma posição
Sempre ausente
Quando pressente
A participação
E quando sente
Que já tem raiz
No terreiro da instituição
Levanta o nariz
Inspira forte
Desfere a estocada
De morte
No amigo
Que lhe deu a mão
Que lhe deu a mão
Mas... o amigo
Não morreu
Renasceu
O Tríptico
- Um chalado com classe, um artista em potência. Qual é o significado deste desenho?
Dona Albana, notou o quase imperceptível movimento dos lábios do Dr. Silvino.
- Senhor Doutor é urgente que se actue em conformidade.
- Concerteza Dona Albana.
- O que vai fazer Senhor Doutor?
- Um inquérito aos alunos. Declare, por favor, a suspensão das aulas por hoje, mande as meninas para casa e convoque todos os alunos para um interrogatório esta tarde, a partir das 14h.
- Muito bem, Senhor Doutor.
O Dr. Silvino foi almoçar, agoniado. Lembrou-se que dias antes, naquela mesma mesa do restaurante habitual, após uma farra monumental com amigos da Vila, pelas 3h da madrugada, apareceu uma patrulha da GNR com a declaração, detalhada, de uma multa por deficiente estacionamento do seu automóvel. Com os olhos enevoados pelo absinto que não perdoava, sacou dum lápis vermelho da sua descambada pasta, pegou na declaração e escreveu: "Três erros de ortografia. Reprovado!". O incidente foi de imediato sanado, com um sorriso subserviente da patrulha.
- Como posso eu, Silvino, irreverente, teimoso, amante da independência, da boémia, da contradição, do espírito de humor, julgar um aluno que, afinal, fez um “manguito” monumental, de cariz campestre, a todos nós e à situação constrangedora deste País de merda?
O Dr. Silvino remoia as suas interrogações com um carapau frito em molho de escabeche. E, recordou, que dois anos antes, em 1958, tinha proibido, por imposição superior, a saída dos alunos do colégio quando Humberto Delgado, em campanha eleitoral, visitou a Vila.
Dona Albana Infante era uma "instituição" dentro do colégio. Mulher respeitável, quase com setenta anos, não descuidava as “suas meninas e os seus meninos”. Na qualidade de vigilante do colégio misto comandava, entre outras coisas, os recreios e garantia, aparentemente com extrema rigidez, a separação dos sexos. Contudo, fazia olho grosso aos namoricos e deliciava-se a entrever futuros risonhos!
Filipa Romana era uma das alunas do colégio. Nos seus quinze anos, esbelta e de olhos verdes, inspirava juras de amor eterno e poemas exaltados. Quando Dona Albana transmitiu a ordem do Dr. Silvino para as meninas irem para casa, Filipa escondeu-se num armário da casa de banho.
Enquanto o inquérito aos alunos decorria, Filipa entrou na sala de alunos e ficou estupefacta ao olhar para o enorme tríptico. Tal como Silvino, reconheceu de imediato uma mão de artista na animalesca gravura.
- Raios me partam se isto se pode perder. Após o interrogatório, vão concerteza destruir a mesa e o assunto será esquecido. A arte tem de perdurar. É um produto do labor intelectual humano, logo é cultura!
Filipa era hábil na disciplina de Química. O colégio tinha um laboratório bem equipado, onde os alunos executavam alguns trabalhos práticos. Pé-ante-pé, Filipa foi ao laboratório e colocou, num tabuleiro, ácidos, bases, sais, óleos e vernizes. Regressou à sala de alunos e, com mestria, fez evolar o tríptico grandioso. A mesa voltou ao seu aspecto original. Sem uma nódoa.
Quando o tríptico passou por ela, a caminho do espaço sideral, Filipa acenou-lhe:
- Assim, vais permanecer na memória da nossa geração e das gerações vindouras. Ninguém te esquecerá.
O Dr. Silvino Silvestre continuava o inquérito e notou algumas inflexões suspeitas nas declarações de Chico Gamito, um dos alunos mais desordeiros do colégio. Pregou-lhe duas bofetadas, mas o Chico, coitado, insistia na sua inocência. Silvino, com voz grave, ordenou:
- Vamos reconstituir o crime no local. Vem comigo à sala de alunos.
No corredor interminável, ouvia-se o som do silêncio entrecortado pelo eco dos passos de Silvino, Albana e Chico. Ao entrarem na sala de alunos, Dona Albana, deparando-se com a mesa limpa e luzidia, gritou:
- Milagre!
e caíu, desfalecida. Com abanos, e jarradas de água, conseguiram reanimá-la, no meio daquele vento suão insuportável.
- O assunto está encerrado. Vão todos para casa,
rosnou Silvino, com um suspiro de indisfarçável alívio. Os três estavam lívidos.
Nessa noite, o Dr. Silvino encharcou-se em absinto. Dona Albana rezou à Virgem Santíssima. Chico Gamito espalhou na Vila o insólito acontecimento. Filipa Romana guardou o seu segredo.
A história tem sido transmitida de pais para filhos e, hoje, passado mais de meio século, todos os habitantes da Vila e arredores a sabem. O tríptico continua suspenso no espaço sideral e nunca se descobriu o seu autor. A arte tem destas coisas!
domingo, 17 de abril de 2016
Mértola, a minha terra
Não existem nenhumas semelhantes
Com as suas encostas pedregosas
Que ao luar frio se tornam cintilantes.
Foi no rude sopé destas montanhas
Que vi p'la primeira vez a luz do dia
Que pratiquei as primeiras façanhas
E onde com grande loucura corria.
Nesta pequena vila pitoresca
Que o bonito azulado rio refresca
Passei e vivi época garrida.
Quando um dia tiver de a abandonar
Terei sempre vontade de voltar
À minha terra p'ra mim tão querida.
(Maio 1960)
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